*Por Daniella Meggiolaro
Muito se discute sobre o machismo e a posição das mulheres na sociedade. Há tempos a mulher busca exercer funções que antes não exercia, usufruir de coisas que não usufruía e valer-se de direitos que antigamente só os homens se valiam. É claro que ao longo dos anos o papel e reconhecimento da mulher foram se transformando, mas, ainda assim, muitos fatos mostram que as relações de poder ainda não mudaram, de modo que certos comportamentos permanecem movidos pela mentalidade machista que herdamos do patriarcado.
Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope) em 2017 revelou que o machismo é o preconceito mais praticado no Brasil. Muitas vezes velado e em outras escancarado, ele não só se revela no cotidiano ou no mercado de trabalho, mas também no sistema de justiça criminal.
Um exemplo disso é o caso de Tatiane da Silva Santos, condenada em novembro de 2016 a mais de 20 anos de prisão por homicídio. O crime? A mulher teria sido omissa ao deixar um dos filhos com pai, que matou a criança de pouco mais de um ano no momento em que ela trabalhava. Sim, um júri composto exclusivamente por mulheres julgou a mãe culpada pelo crime que o marido cometeu enquanto ela se ausentava para prover o lar. Mas não é só! Tatiane ainda teve sua pena aumentada em dois anos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul porque, segundo um laudo elaborado por uma psicóloga, era “narcisista”, já que insistia em visitar no abrigo os outros dois filhos sobreviventes.
Situações absurdas como essa indicam que tanto a sociedade quanto o Poder Judiciário ainda não entenderam a dinâmica social brasileira e o múltiplo papel que uma mãe muitas vezes é obrigada a desempenhar no âmbito familiar, culpando-a e punindo-a pelo simples fato de ser mulher.
No mutirão recentemente realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) na Penitenciária Feminina de Pirajuí, foram recorrentes os casos em que juízes de 1º grau simplesmente se recusaram a dar cumprimento ao habeas corpus coletivo concedido pelo Supremo Tribunal Federal para conversão de prisão domiciliar às mães que se enquadram nas hipóteses previstas na Lei nº 13.257/16, mais conhecida como Marco Legal da Primeira Infância.
Muito embora a orientação do STF seja clara no sentido de que todas as gestantes e mães de crianças de até 12 anos – excetuados os casos de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes ou em situações excepcionalíssimas – têm o direito de aguardar seu julgamento em casa, não foram poucas as decisões que deixaram de aplicá-la, sempre fundamentadas em argumentos morais e preconceituosos. Segundo uma magistrada da Comarca de Lins, a mãe prostituta que sai para beber à noite e que deixa sua filha aos cuidados de parentes não é imprescindível ao desenvolvimento da criança e, por isso, deve permanecer provisoriamente presa, mesmo preenchidos os requisitos para que responda ao processo em casa.
Às mulheres acusadas de tráfico de drogas – crime não violento e que, por vezes, infelizmente, é única fonte de sustento de muitas famílias periféricas – a prisão domiciliar é constantemente negada sob a alegação de que as mães agem “sem pensar nos filhos” e que, por isso, merecem permanecer presas, priorizando-se, desta forma, “o melhor interesse da criança”. Raciocínio semelhante é o que tem levado a Ministra Laurita Vaz, primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça, a negar, em decisões liminares, prisão domiciliar a mães em plenas condições de receber o benefício. De acordo com a Ministra, essas mães não conseguiram comprovar satisfatoriamente a imprescindibilidade para o cuidado do rebento, como se fosse realmente necessário provar que uma mãe é indispensável à formação de seus filhos!
Existe uma cultura machista arraigada nas instituições, e a Magistratura, mesmo com uma composição pareada ou majoritariamente feminina, ainda reproduz esse tipo de pensamento, o que significa um verdadeiro retrocesso na luta pela garantia dos direitos das mulheres. O que se espera do Poder Judiciário é justamente um olhar de enfrentamento às questões referentes à desigualdade de gênero, especialmente cruel no seio da população mais vulnerável, evitando-se assim decisões injustas como as acima retratadas.
*Daniella Meggiolaro é sócia do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados e diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD.