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arte & cultura

Por Bruna Faro

Ontem, publicamos a matéria “A Importância do filme Pantera Negra“, onde conversamos com especialistas sobre o longa que moveu massas. Hoje, continuamos nossa conversa com Roberta Estrela, Claudio Basílio e André Azenha, para ouvir um pouco mais de suas opiniões sobre o filme, já considerado histórico.

Dando um show de representatividade, a produção conquistou pessoas de todas as idades e raças. Todos querendo fazer parte de Wakanda. “O elenco é sensacional: Boseman mescla força e sensibilidade. Traz dignidade ao herói. Michael B. Jordan, astro nos dois primeiros filmes do diretor Ryan Coogler, é dor, sofrimento, vingança, um vilão cujas motivações podemos entender. Há ainda os vencedores do Oscar Forest Whitaker (O Último Rei da Escócia), como o tio do Rei, e Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão), ativista e interesse romântico”, conta André, um dos entrevistados.

 

“Letitia Wright vive a irmã mais nova, Shuri, a geek da família real, cuida da tecnologia, da medicina. Representa o que é Cisco na série The Flash, Felicity em Arrow, Winn em Supergirl. Carismática, divertida, ela rouba a cena diversas vezes. A veterana Angela Bassett faz a mãe, Ramonda. Danai Gurira é Okoye, chefe da guarda imperial, composta apenas por mulheres! Uma ode ao feminismo, ao girl power. O indicado ao Oscar (por Corra!), Daniel Kaluuya, interpreta W’Kabi, líder dos soldados que defendem as fronteiras. Há Andy Serkis, exagerado, como o vilão Ulysses Klaue, e Martin Freeman (O Hobbit) vive o agente Everett Ross.”, conclui ele.

André tem razão, o carisma e cuidado para a escalação de atores é admirável. Pantera Negra, além de encantar com atuações, quebrou recordes, ganhou diversos prêmios e conquistou nações.

 

Confira abaixo a segunda parte da entrevista (a primeira parte da entrevista você confere aqui!):

Por que Pantera Negra fez esse boom, diferentemente dos outros filmes de Super-Heróis? O que ele tem que os outros não têm?

Claudio: O zeitgeist atual favorece discussões sobre questões relacionadas a representatividade feminina, étnica e de gênero, e “Pantera Negra” certamente está incluso neste contexto. Eu também creio que ainda que de forma inconsciente o público negro – e o público em geral – estava “faminto” pelo tipo de aventura apresentada em “Pantera Negra”. E, é claro, a Disney (produtora do filme) foi espertíssima em lançar o filme justamente no Mês da História Negra, um período do ano em que nos EUA ocorrem vários debates sobre o legado africano na sociedade estadunidense. Resumindo tudo: “Pantera Negra” surgiu exata e precisamente no momento certo!

André: Primeiro: é um ótimo filme. Entretém, tem cenas criativas de ação, design de produção espetacular. Wakanda é um espetáculo à parte, com seus detalhes, edifícios, os diferentes figurinos para cada tribo do país. O elenco é sensacional, um timaço de atores e atrizes. Acima de tudo, Pantera Negra tornou-se um fenômeno cultural, transcendeu a questão cinematográfica, as pessoas passaram a vibrar e gritar “Wakanda Forever”, o filme tornou-se bandeira de representatividade, de resistência. Sobre ter tantas indicações, precisamos fazer justiça e lembrar que Batman: O Cavaleiro das Trevas teve oito indicações em 2009 e ganhou duas estatuetas, inclusive ator coadjuvante (Heath Ledger) e não foi indicado a melhor filme injustamente. Na época, aliás, só podiam ser indicados cinco filmes a essa categoria. Hoje podem ser até dez. Temos oito indicados esse ano e Pantera Negra tem total merecimento.

 

■ Qual a importância da representatividade que existe nele?

Claudio: Eu creio que a população afro-descendente é sub-representada em vários estamentos das sociedades ocidentais, inclusive na área de entretenimento – mais especificamente na produção audiovisual (cinema, televisão) –, que geralmente trabalha com conceitos ridículos de “beleza” que não contemplam o fenótipo negro. Apesar de não ser o primeiro filme com elenco majoritariamente negro, “Pantera Negra” foi o primeiro a ter um orçamento de super-produção e mostrou que negros podem ser retratados como cientistas, guerreiros ou qualquer outra coisa, até mesmo membros da realeza!

André: Uma pequena história em quadrinhos chamou a atenção na web na época do lançamento do filme. Assinada por Lucas Silva, Rennan Lemes (brainstorn) e Valdeci Crabi (desenho), a página mostra duas crianças brincando na rua, menino e menina brancos, fantasiados respectivamente de Superman e Mulher-Maravilha. Olhando a alegria dos coleguinhas e sentado no meio fio, um garotinho negro. É quando chega o Pantera Negra e diz: “Hey, garoto. O que está esperando?”. O garotinho então veste a máscara do Rei de Wakanda para se juntar às duas crianças. História curta, direta, reta, inteligente e que traduz o significado do filme recém-lançado. O cinema tem pouco mais de 120 anos e, os blockbusters, cerca de 40. Fica escancarado o conservadorismo, o racismo da indústria. Não trata-se de vitimismo ou coisa parecida. Durante muito tempo, as produções cinematográficas não espelham toda a diversidade do mundo.

 

■ Hoje, parece que existe uma preocupação no mundo da arte em escalar mais artistas negros nas novelas e programas de TV. Você reparou nisso? Ainda é muito pouco?

Roberta: Sim, existe essa necessidade. Tem gente que faz por motivos capitais, tem gente que faz por culpa institucional e acho que tem uma parcela que faz por consciência, que entende que não é mais aceitável cem por cento das pessoas serem brancas.

Claudio: Eu entendo que esta “preocupação” não ocorre apenas por que a Indústria Cultural é dirigida por pessoas plenas de bons sentimentos. Na verdade existem dois aspectos que precisam ser observados: Hollywood depende financeiramente cada vez mais do sucesso internacional dos seus filmes e as novas plataformas de mídia como os serviços de streaming operam em nível global, e por um desses “acasos” da vida a maioria da população mundial é “não-branca”, o que obriga os produtores culturais a pensarem em formas de atingir este público; e segundo o Census Bureau (órgão americano responsável pelo censo daquele país) até o ano de 2043, a população estadunidense será constituída majoritariamente por negros e latinos. Em outras palavras: se a Indústria Cultural quiser manter seus lucros ela precisa pensar na diversidade do seu público!

 

■ Qual quadrinho você indica para quem gostou do filme e quer aprender mais sobre o personagem?

Claudio: Eu recomendo duas obras que ainda podem ser encontradas em bancas de jornal, livrarias e sites de e-commerce: “A Fúria do Pantera”, que traz a primeira aparição de Erik Killmonger, o arqui-inimigo do herói; e “Uma Nação Sob Nossos Pés”, uma aventura distribuída em três álbuns onde o Pantera precisa lidar com uma iminente guerra civil em Wakanda. Estas duas histórias foram utilizadas como referências primárias para a elaboração do roteiro do filme do Pantera Negra.

 

■ Você conhece alguma criança que gostou do filme e você notou que isso ajudou na sua identificação?

Roberta: Conheço várias crianças, meus afilhados mesmo, só ficavam falando de Wakanda e não é só com crianças negras, as brancas também. A branca que sempre quer ser o herói branco, entender que existem outras maneiras e formas nesse mundo. E para as crianças negras é um marco bem forte.