Uma parada na estrada pode mudar o rumo da prosa fazendo valer muito a pena a viagem. E foi isso que aconteceu quando de volta de volta a São Paulo pela linda e majestosa Rio- Santos, me deparo com elas, Sueli de Lima e Maria José, irmãs de Jecina de Lima. Sueli, filha dessa estrada e as outras mineiras de Governador Valadares, vindas de uma família de mulheres quilombolas. Elas se dividem entre a cozinha, suas plantas e a poesia. Maria José comanda a cozinha, de um restaurante conhecido na região como “O cantinho da Titia”. Desde 1957 a família está na beira da estrada, oferecendo um cardápio que mistura comida mineira e quilombola toda feita no fogão à lenha. Pergunto á Maria José qual é o seu sentimento ao ver as pessoas comerem com gosto suas delicias, e ela responde: “Satisfação, porque todo mundo que come a minha comida gosta, graças a Deus, onde me chamarem para cozinhar eu vou, já cozinhei muito por esse mundo a fora, carreguei barraquinha nas costas e até na porta do cemitério vendia minha comida. Os outros riam de mim, falavam que no dia de finados tinha que vender vela, flor e santinho. E eu falei, não, quem vem visitar seu ente querido que já foi, sente fome, compra uma quentinha, vendi muito…”
Maria José é a do meio, Sueli é a caçula e Jacina, a mais velha já é faleceu. Essas Mulheres são corajosas, e estão na sétima geração ali, no Cantinho da Titia que agora está fechado pelo IBAMA, e elas não sabem o porquê, ela diz: “Todo mundo gosta muito da comida, vários famosos já pararam aqui como Leandro Hassum, Sérgio Reis, o pessoal do Pânico, Grupo Gera Samba e essa colunista aqui també, e posso garantir a comida é um espetáculo”. Mostra as fotos com orgulho, que infelizmente, não dá para publicar, por questões técnicas.
Sueli é mas despojada, falante, de uma sensualidade natural e pura poesia, cuida das plantas e também cozinha muito, diz que adora trabalhos manuais, tudo o que mexe com as mãos. A caçula de 54 anos nos fala um pouco sobre a paixão que a move e a faz ser essa pessoa tão intensa e ao mesmo tempo tão suave: “Acho que tem a ver com a terra, com o sol, com a cor, sou de origem afro ascendente, me considero uma mistura de raça porque meu pai é capixaba e minha mãe mineira e eu nasci aqui no caminho. A gente tem uma ligação muito forte com a natureza, tive o privilégio de nascer em um lugar onde tem mata, praia, cachoeira…”
Ela se acha sensual, mas diz que passou das medidas, e que muitas vezes até se esquece de que é mulher, pois tem que tomar conta de tudo ali e ser forte. Faz uma cara marota e dispara: “A Mãe terra tem muita influência na carne da gente, sou avantajada, pois sou negra, e gosto muito de namorar. Sou sensual sim.” Sueli ri e diz que gosta de homem, sente falta de um parceiro, mas reforça que a família é comandada pelas mulheres. Já Maria José diz que homem não faz falta nenhuma e que prá isso existe o marido de aluguel. Ela fala: “Se for bom, a gente segura um pouquinho, mas se não, mando logo embora.” Mesmo divergindo de opinião, as duas são muito próximas, amorosas e unidas.
“É uma família de mulheres, porque houve necessidade, mas Homem faz falta…” Diz Sueli.
Na cozinha o segredo é a tradição e o açafrão é a estrela, o tempero especial. “Já nascemos tomando leite com Açafrão. Quando cozinho me dedico, ponho meu coração e sinto uma gratidão imensa pelas pessoas que vem comer a nossa comida, que foi passada de geração para geração. Estamos aqui antes dessa rodovia.”, conta Sueli.
Agora o que essas mulheres querem mesmo é poder voltar ao Cantinho da Titia original, querem entender porque o IBAMA as tirou de lá, querem continuar fazendo o que mais gostam: Cozinhar, cuidar da sua mata, vender seus artesanatos e fazer amigos que passam pelo seu restaurante que atualmente está funcionando no Rancho do Rango, até essa situação com o IBAMA se resolver.
Pergunto o que as influenciou a cozinhar e Maria José responde lindamente: “Cozinho desde nove anos de idade.” E Sueli completa: “Somos guerreiras, não conhecemos a realidade dos fatos, mas continuamos trabalhando. Teve uma época que escrevi: “Eu sou terra, sou preta e sou forte.” A minha história não começou aqui, nós chegamos até aqui e vamos sobreviver, as marcas ficam, a família se separou um pouco, isso é muito dolorido. Mas a gente é muito forte, vamos colocar a nossa comida ma beira da estrada, em uma banquinha , as pessoas vão comer, o que tiver de ser será.” E eu fico ali encantada com tanta simplicidade e sabedoria, e determinação, e a poetisa Sueli solta mais uma de suas pérolas: “…foi como eu falei, ela vai botar suas comidas e eu vou botar as minhas plantinhas, e vamos vender tudo. O ideal é que podemos trocar isso tudo, porque é hereditário e hereditário é o dom, a inspiração é outra coisa, ela aparece, e quando aparece a gente agarra… “
A Estrada é como a arte, a estrada nos conduz, nos leva a conhecer pessoas interessantes e a perceber que em cada cantinho, em cada lugar tem alguém com uma boa história para contar, uma casa que abre, uma comida que serve, um coração amoroso!
Passando pela Rio-Santos, próximo a Paraty não deixem de parar para um dedo de prosa com as Irmãs Sueli Lima e Maria José e se deliciar com a deliciosa Gastronomia Quilombola.